24 de agosto de 2009

*Recusando-se a ser uma vítima*



Obrigação e responsabilidade
bell hooks

Quando o Feminist Theory: From Mergin to Center foi publicado em 1984, eu encorajava as mulheres engajadas no movimento feminista a evitar o manto da vitimização na nossa busca para chamar a atenção pública a respeito da necessidade de acabar com o sexismo, exploração e opressão sexistas. Criticando uma cisão de irmandade fundamentada em vitimização compartilhada, eu encorajava as mulheres a se unirem pelas bases da solidariedade política. Parecia irônico para mim que as mulheres brancas que mais falavam sobre serem vitimas, como escrevi na época, “eram as mais privilegiadas e tinham mais poder que a vasta maioria das mulheres em nossa sociedade”. E se o compartilhamento da vitimização era a razão para ser feminista, então as mulheres que eram empoderadas, que não eram vitimas, não iriam abraçar o feminismo. Meu repúdio à identidade vitimada surgiu de meu conhecimento da maneira em que pensar numa pessoa como vítima podia ser desempoderador e imobilizador.

Vinda de comunidades feministas no sul segregacionista, eu nunca tinha escutado das mulheres negras sua vitimização. Enfrentando a dureza, a destruição causada por falta e privação econômica, a injustiça cruel do apartheid racial, eu vivia em um mundo em que as mulheres ganhavam força no compartilhamento de saber e recursos, e não porque se juntavam na base de serem vítimas. A despeito da incrível dor de viver no apartheid racial, as pessoas negras sulistas não falavam sobre nós mesmas como vítimas mesmo quando nós éramos humilhadas. Nós nos identificávamos mais pela experiência da resistência e triunfo do que pela natureza de nossa vitimização. Era um fato que a vida era dura, que havia sofrimento. Era pelo enfrentamento desse sofrimento com graça e dignidade que uma pessoa experienciava transformação. Durante a luta pelos direitos civis, quando nos demos as mão para cantar “nós vamos superar”, nós estávamos empoderadas e empoderados por uma visão de preenchimento, de vitória. Muito do conhecimento que eu trouxe para a luta feminista sobre o risco da identificação com a vitimização veio das práticas de vida em confronto das pessoas negras no sul segregacionista. Quando eu alertei as mulheres envolvidas no movimento feminista a tomarem cuidado com a identidade vitimada, eu estava certa de que as pessoas negras ativistas na luta por libertação já sabiam disso. E, ainda assim, no final dos anos 80 as pessoas negras estavam cada vez mais falando de vitimização, reclamando uma identidade vitimada. De repente, críticas e críticos negr@s levantavam publicamente suas vozes alertando às pessoas negras sobre os perigos de se abraçar a vitimização. Um desses pensadores era Shelby Steele. Seus ensaios The content of our character foram publicados com uma nota de orelha que afirmava estar apresentando “uma nova visão de raça nos Estados Unidos”. Essa visão era simples. Ele chamava para o repúdio da retórica da vitimização.

Muitas e muitos estadunidenses concordavam com a asserção de Steele que reinvindicar a vitimização de maneira absoluta é perigosamente desempoderadora. Contudo, sua demanda de que repudiássemos a identidade vitimada foi minada por sua insistência de que a agressão racista não era mais uma ameaça ao bem estar das pessoas negras. Esta linha de argumentação parecia ser oportunamente dirigida a um público branco; era uma afirmação completamente sem fundamento. Praticamente todas e todos os/as afro-american@s enfrentam algum grau de assédio racial nessa sociedade - por mais relativo que seja - cotidianamente. A tentativa de Steele de negar esta realidade estava conectada a sua recusa por chamar a atenção às maneiras com que brancos e brancas estadunidenses são responsáveis por perpetuarem e manterem a supremacia branca. Ao deixar de chamar a atenção para a responsabilidade branca, ele impôs às pessoas negras que esta responsabilidade da ação contra o racismo fosse unicamente delas, a responsabilidade de repudiar a identidade vitimada. Isso pareceu irônico dado que na realidade era precisamente o repúdio branco à militância negra de resistência ao racismo que dispôs o fundamento de uma ênfase na vitimização.

A palavra “vítima” não aparece na grande maioria dos escritos de resistência da era dos direitos civis. Mas já em 1985, Martin Luther King percebe que a demanda pela “realização da igualdade” não estava sendo ouvida pelas pessoas brancas. Em Where do we go from here King sinalizava um sentimento crescente de desempoderamento que era indicado pela reação branca às vitórias do movimento de direitos civis:

As pessoas negras da América atingiram ao presidente, à imprensa e seu púlpito com suas palavras quando falaram em termos amplos sobre liberdade e justiça. Mas a ausência da brutalidade e do mal irregenerável não significa que a justiça se faz presente. Permanecer assassinado não é a mesma coisa que declarar cumplicidade. A palavra está quebrada, e as expectativas do(a) negro(a), que correm livres, vão de encontro à resistência branca. O resultado é o genocídio. Os(as) negros(as) se sentiram enganados, especialmente no norte, enquanto muitos brancos sentiram que os(as) negros(as) ganharam muito e por serem (os negros\as) gananciosos(as) e lascivos(as) iriam pedir mais em breve.

A resistência militante à supremacia branca ficou com medo das pessoas estadunidenses brancas, mesmo daquelas liberais e radicais que estavam comprometidas na luta pelo fim da discriminação racial. Havia uma grande diferença entre uma luta pelos direitos civis que trabalhava primordialmente para acabar com a discriminação e um compromisso radical com a autodeterminação negra. Ironicamente, muitas pessoas brancas que tinham lutado lado a lado com as negras responderam positivamente às imagens da vitimização negra. Muitas pessoas brancas testemunharam que elas tinham visto o sofrimento da gente negra no sul segregacionista e ficaram comovidas a trabalhar por mudanças. A imagem das negras como vítimas era bem aceita na consciência de toda pessoa branca; era a imagem das pessoas negras como iguais, como autodeterminadas que não tinha lugar – que não poderia evocar nenhuma resposta simpática. Em cumplicidade com os estados-nação, todos os brancos estadunidenses responderam à militância negra pela aceitação passiva das organizações negras e ao massacre de suas lideranças.

No despertar dos chamados militantes pela autodeterminação negra, mulheres brancas de classes privilegiadas, muitas das quais eram ativistas pelos direitos civis, começaram a organizar o movimento de libertação feminina. Inspiradas pela retórica da luta pela libertação negra, este grupo de mulheres (no qual nem todas eram brancas e privilegiadas) achou que seria útil abraçar a identidade vitimada. Sem testemunhar o assassinato de nenhuma líder do movimento feminista, sem nenhuma violência policial, sem o movimento de massa por justiça social, as mulheres brancas podiam coletivamente reparar os erros cometidos por um sistema de discriminação de gênero. A retórica da vitimização funcionou para as mulheres brancas no despertar do movimento feminista, quando as mulheres brancas estavam repentinamente recebendo ganhos por sua força de trabalho. Eram as primeiras a receber as recompensas da ação afirmativa. Nos anos 80 as mulheres brancas tinham alcançado mais ganhos no curto espaço de dez anos que mulheres negras e homens negros tinham conseguido depois de décadas de luta. Aqueles homens negros que estavam convencidos de que o patriarcado deveria permitir a eles maiores direitos que o das mulheres brancas eram os mais revoltados com a maneira com que a luta das mulheres era efetivamente mais bem sucedida quando o foco era obter maior acesso às esferas de poder hegemônicas, tradicionalmente domínio de homens brancos. Essa raiva não impediu que os homens negros desenvolvessem uma retórica similar na competição por favores e reparações da estrutura de poder do homem branco. As ativistas brancas do movimento feminista contemporâneo freqüentemente se comportavam da mesma maneira que suas companheiras do século XIX, aquelas que quando lutavam pelo voto estavam bem dispostas a evocar a supremacia branca como aquela estrutura de laços que devia levar os homens brancos a lhes dar privilégios e direitos antes de dá-los aos homens negros.

Quando as poucas feministas brancas do começo dos anos 70 escreveram sobre a hierarquia racial, comumente elas o fizeram para chamar a atenção a sua proximidade com o poder masculino branco, para mostrar como elas estavam erradas. Em 1970, Shulamith Firestone publicou The dialectic of sex: The case for Feminist revolution, no qual afirmou “o racismo é o sexismo estendido” – que “o racismo é um fenômeno sexual”. Inspirada nos paradigmas freudianos, Firestone, como outras mulheres daquela época, enxergou as relações raciais nos termos das relações hierárquicas dentro da família nuclear branca. Firestone, sem pudores, escreveu:

O homem branco é o pai, a mulher, esposa e mãe, o status dela depende dele; as pessoas negras, como as crianças, são suas propriedades, sua diferença física marca sua posição na classe subserviente, da mesma maneira que as crianças formam uma classe servil que se diferencia da adulta. Essa hierarquia de poder criou a psicologia do racismo da mesma forma que na família nuclear se criou a psicologia do sexismo.

A falha na análise de Firestone foi sua recusa a ver a forma com que o pensamento patriarcal medeia o racismo para romper o modelo que ela desenha. Quando ela escreveu, as pessoas negras não eram mais propriedade do homem branco, mas sim dependentes, então teria sido mais acurado ver as mulheres brancas e os homens negros como irmãs/irmãos engajados numa rivalidade pela atenção do pai, considerar a ausência da “mãe” nas formações patriarcais da hierarquia de poder. Certamente, a resposta de homens negros e mulheres brancas aos estágios iniciais do feminismo contemporâneo deixaram nítido que eles e elas se viam como rivais, competindo pela inclusão na estrutura de poder masculino branco. As mulheres negras estavam de fato fora desta corrida.

Logo quando ativistas negras no movimento feminista, como eu, estavam demandando que houvesse uma nova mirada na teoria e na prática feministas, repudiando a centralidade da vitimização, os negros estavam se apropriando da retórica da vitimização para trazer o foco para si mesmos. Uma leitura cuidadosa da literatura negra sobre direitos civis e sobre a luta por poder negros deixa nítido que a ênfase no segundo movimentos é solidamente o ganho de direitos e privilégios para homens – da mesma forma que a literatura feminista no começo do movimento era focada exclusivamente na necessidade de mulheres brancas. Em alguma medida o movimento de mulheres dominado pelas brancas mudou o olhar público, desviando-o dos homens negros e trazendo para as mulheres brancas. Fazendo uma manobra pela atenção dos brancos, líderes negros enfatizaram a vitimização, particularmente a dor que sofriam como resultado da agressão racista branca. Como suas contemporâneas brancas eles se utilizaram da retórica da vitimização porque era menos ameaçadora para os brancos. Nomear brancos como carrascos onipotentes era pagar tributo ao seu poder, vê-los como possuidores da cura de todos os males.

Enquanto a retórica da vitimização se tornava cada vez mais comum, parecia que ela era uma descrição acurada do estado da américa negra depois que as poderosas forças da supremacia branca tinham suprimido a resistência da militância. Desespero e sentimentos de desesperança são centrais à formação de uma psicologia da vitimização. O assassinato de líderes políticos negros naturalmente criou um clima de perda e caos que foi oportuno ao aumento do sentimento de desempoderamento. De repente, o espírito de resistência que tinha crescido junto a uma crença confrontadora de que o poder branco era limitado, que poderia ser mudado, desafiado e transformado, foi dissipado. Em seu lugar estava uma retórica que representava que aquela estrutura era onipotente, imutável.

A igreja negra sempre foi um lugar nos estados unidos em que as pessoas afro-americanas aprenderam maneiras reivindicatórias de pensar que aumentaram nossa capacidade de sobreviver e florescer. A teologia negra libertadora sempre interviu em qualquer tendência a elevar humanos ao status de seres onipotentes. Essa insistência nas limitações do humano foi crucial às pessoas negras que sofriam nas mãos de opressores e/ou exploradores brancos. A assunção de que seu poder era limitado, sujeito a forças além do controle, uma crença até mesmo no miraculoso, era uma visão de mundo empoderadora indo de encontro aos ensinamentos das forças brancas de colonização. Enquanto a religião perde espaço na vida de pessoas afro-americanas contemporâneas, especialmente as jovens, essas formas de pensamento reivindicatório não são ensinadas. Sem um sistema de crenças alternativo, as pessoas negras abraçam o sistema de valores existente, que diariamente reforça o desamparo aprendido. A grande mídia cotidianamente nos bombardeia com imagens de afro-american@s que espalham a mensagem da desesperança, engodo, que somos incapazes de mudar nossa situação de maneira significativa. Não é se causar espanto, então, que uma geração de pessoas negras que ganharam muito de seu conhecimento sobre raça e luta contra o racismo em filmes e na televisão se vejam como vítimas ou que elas e eles vejam que a única maneira de pararem de ser vítimas é assumindo o papel do carrasco. Na medida em que Shelby Steele força as pessoas negras a aceitarem a equação de negritude como vitimização – “ser negr@ é ser uma vítima; logo, não ser uma vítima é não ser negr@” - ele não examina o investimento branco nesta equação. As pessoas negras que abraçam a identidade vitimada fazem isso, pois acham que isto medeia suas relações com os brancos, que é mais fácil fazer apelos por compaixão que por reparação. Enquanto estadunidenses brancas e brancos tiverem mais disposição a se preocupar e cuidar de pessoas negras com uma “identidade negra vitimada”, uma mudança de paradigmas não terá lugar. Para não se identificarem como vítimas, as pessoas negras devem criar maneiras de iluminar questões de responsabilidade que acuradamente direcionem ambas a natureza de nossa vitimização dentro do patriarcado de supremacia branca e a natureza de nossa cumplicidade. Quando uma pessoa negra projeta uma identidade vitimada por que isso visibiliza mais suas preocupações, ela está sendo cúmplice de uma estrutura de dominação racista ofensiva na qual investe na ausência de trato. Enquanto estadunidenses brancas e brancos tiverem dificuldade de colaborar com a asserção da agência e autodeterminação individual ou coletiva de grupos ou pessoas negras, a vitimização vai continuar a ser o local da visibilidade.

Todos os grupos marginalizados nesta sociedade que sofrem graves injustiças, que são vitimizados por sistemas institucionalizados de dominação (raça, classe, gênero etc), estão face ao dilema peculiar de desenvolver estratégias que chamem a atenção para sua luta de uma forma que mereça respeito e consideração sem reinscrever um paradigma de vitimização. Quando afro-estadunidenses localizamos nossas preocupações sobre racismo e supremacia branca num discurso centrado na vitimização, podemos ganhar a atenção branca ao apagar o foco na auto-determinação. Não é coincidência que a voz que fala mais alto contra a evocação de uma moldura de vitimização é quase sempre aquela que focaliza a necessidade do separatismo racial, para que as pessoas negras assumam total responsabilidade por melhorar nossa condição. Ambos os discurso são totalizantes. Uma nova perspectiva de luta pela autodeterminação negra é necessária para que se mude o foco de uma moldura da vitimização para uma da responsabilidade. Porque é esse o discurso que permite às/aos afro-estadunidenses reconhecerem nossas cumplicidades, nossa necessidade pela existência de um processo de descolonização e politização radical, ao mesmo tempo em que permanecemos com firmeza nítida sobre o protagonismo que a grande maioria de pessoas brancas tem na perpetuação e manutenção da supremacia branca. De fato, as próprias pessoas brancas que vislumbram que as pessoas negras estão erradas por se fazerem vitimizadas publicamente são aquelas que mais negam seu papel diante a socialização racista que as privilegia em detrimento das pessoas negras. Elas que querem que todas as afro-estadunidenses repudiem uma identidade vitimada precisam estar prontas para entrar no encontro entre sujeitos com pessoas negras que são auto-determinadas. Abraçar esta mudança ia ser a abertura para a própria visão de plena igualdade racial que King considerou inimaginável a tantos estadunidenses brancos. Elas e eles que estão sedentos por viver numa sociedade que promova e recompense a igualdade racial têm que estar prontos a abrir mão de percepções ultrapassadas acerca das necessidades negras, percepções essas que as socializam a se sentir confortáveis conosco somente quando estão num lugar superior e de cuidado. Até que as massas estadunidenses brancas confrontem sua necessidade obsessiva por uma vítima negra totalmente passiva e clamem por uma responsabilidade que iria realmente demandar uma mudança na estrutura dessa sociedade, a retórica da vitimização vai continuar a florescer.

Estadunidenses negras e negros que exploram a retórica da vitimização fazem isso não só porque garante autoridade moral, mas por que isso fornece uma plataforma na qual as demandas podem ser feitas não mutuamente. Se somente as pessoas brancas precisam mudar, então as negras não precisam se envolver em processo de politização radical. Ironicamente, muitas e muitos afro-estadunidenses se sentem mais vitimizados/as (mesmo com nossos e nossas ancestrais certamente terem sofrido mais duramente repressão e injustiça) porque tem havido um crescente nível de expectativa. Aquelas pessoas negras criadas no sul segregacionista que foram ensinadas a esperar nada além de exploração das mãos de brancos não se desapontaram ou ficaram psicologicamente abaladas com formas de exclusão social e discriminação que eram consideradas menores. Hoje em dia, muitas pessoas negras são ensinadas, pela retórica da democracia liberal que vem até nós pela mídia corporativa, que podem esperar tratamento igual. Quando isso não acontece, um dissenso de vitimização é ligado a níveis mais altos de expectativas. Recentemente, eu estava dando uma palestra na universidade de Harvard sobre o ódio negro da supremacia branca. Fiquei entristecida pelo número de graduandas negras no público que falaram por muito tempo sobre os terríveis problemas que enfrentavam. Bastante prudentes das muitas maneiras que a vitimização racial se articula, elas se expressavam a partir de uma identidade vitimada. Mas sua noção de vitimização parecia estar totalmente fora de proporção numa realidade mais ampla. Elas se viam como vítimas por que tinham imaginado que iam ser tratadas como iguais, e quando isso não aconteceu faltou a elas um empenho íntimo para confrontar isso e efetivamente superar.

Diferentemente da assertiva de Shelby Steel de que as pessoas negras “se vitimizaram mais do que sofreram”, os específicos acontecimentos que elas apresentavam de fato configuravam vitimização. Entretanto, sua incapacidade de responder à agressão racista com resistência militante pareceu intensificar o sentimento de vitimização. Uma estudante relatou ter assistido uma aula de teoria feminista em que meu trabalho foi lido. Ela achou neste trabalho um espaço de reconhecimento e apoio. Mas no dia em que ele foi discutido na turma, a professora branca declarou que ninguém foi realmente tocada por meu trabalho, que eu era muito negativa. Indisposta a declarar sua agência, seu engajamento com o texto, essa jovem negra se sentiu ao mesmo tempo silenciada e vitimizada. Ela sentiu vontade de largar a faculdade. Se ela tivesse resistido naquela turma, não teria se sentido vitimizada. Ao contrário, ela sentiu a sua negritude desvalorizada e abriu mão de sua afirmação e, com isso, de sua integridade pessoal. Se uma resposta militante não poderia ter garantido uma recompensa a ela, teria ao menos preservado sua noção de si. Ensinado em instituições brancas privilegiadas, eu constantemente encontro estudantes negras e negros que se sentem vitimizadas/os, que não contextualizam a agressão racista a ponto de distinguir a dor de não ser convidado para uma festa ou deixada de fora de uma discussão sobre privação econômica grave, falta de acesso à formação básica e recursos etc.

Para reagir à fixação da retórica da vitimização, as pessoas negras tem que se engajar num discurso de auto-determinação. Este discurso precisa não estar fundamentado num movimento separatista, mas fazer parte de uma luta inclusiva para acabar com a dominação racista. A luta progressista para acabar com a supremacia branca reconhece a importância política da responsabilidade e não abraça a retórica da vitimização mesmo que ela vigilantemente chame atenção para a vitimização de fato.

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