31 de janeiro de 2011

Balanço em Portugal: 3 anos de aborto legal, seguro e gratuito

Escrito por Diana Curado   
Do Portal LIT-QI - Liga Internacional dos Trabalhadores - Quarta Internacional

Imagem da Campanha pelo SIM
Em 11 de Fevereiro de 2007 os portugueses decidiram em plebiscito que as mulheres deveriam poder abortar, por sua opção, até à 10ª semana em condições de segurança num estabelecimento de saúde autorizado.

Em 1998 tinha-se realizado um plebiscito sobre o mesmo tema em que despenalização do aborto tinha sido derrotada, pelo que até 2007 o aborto em Portugal continuava a ser crime, com exceção dos casos em que a gravidez apresentasse perigo de morte ou lesão grave para a saúde física e psíquica da mulher, em caso de malformação congênita ou doença incurável do feto ou em situação de violação da mulher. Para o plebiscito de 2007, além dos partidos politicos, organizaram-se também diversos movimentos a favor e contra a despenalização do aborto, que realizaram campanha na rua e na televisão (todos com o mesmo tempo) pelas suas posições. A vitória da posição do sim à despenalização do aborto no plebiscito de 2007 foi, por isso, produto de um amplo debate que atravessou a sociedade portuguesa. A igreja católica foi um setor fundamental na campanha do não à despenalização, que saiu fortemente derrotada neste plebiscito.

Em julho do mesmo ano a lei foi posta em prática. A partir daí todas as mulheres residentes em Portugal, de nacionalidade portuguesa ou não, podem ter acesso a um aborto seguro e gratuito no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O processo é relativamente simples, uma mulher só tem que se dirigir a um hospital ou a um posto de saúde e dizer que quer fazer um aborto. Primeiro terá que ir a uma consulta prévia onde fará um breve exame médico e será informada sobre os métodos de aborto. Nessa consulta lhe é oferecido aconselhamento psicológico que ela poderá aceitar ou não. Depois seguem-se três dias de reflexão obrigatória após os quais o aborto poderá ser realizado se for comprovado por ultrassom que a gravidez tem menos de 10 semanas.

As mulheres podem optar por um aborto medicamentoso ou cirúrgico. O medicamentoso é feito com recurso a dois fármacos que em conjunto provocam e simulam um aborto em tudo semelhante a um aborto espontâneo e têm uma eficácia de 98-99%. Para além disso este processo tem a vantagem de não necessitar de internamento. Pode-se também optar pelo processo cirúrgico, feito na maioria das vezes com anestesia geral, pelo processo de aspiração por vácuo ou curetagem (raspagem). Duas semanas mais tarde a mulher deverá ir a uma terceira consulta, depois de ter feito um novo ultrassom para confirmar que a gravidez terminou e para ser aconselhada acerca do método contraceptivo que melhor se adapta a si.
A implementação da lei

Os movimentos antiescolha argumentavam que a realização de abortos no SNS iria trazer o caos aos serviços, que iria roubar recursos para dar às mulheres que queriam abortar. Não se verificou nenhum caos. Segundo Mara, médica de Medicina Geral e Familiar e cofundadora da Associação Médicos pela Escolha[1] (MPE) “podemos afirmar que a implantação da nova lei de IVG (interrupção voluntária da gravidez, ou aborto) correu bem. Para isso foi fundamental a regulamentação detalhada. Quais os estabelecimentos de saúde que podem realizar IVG, o circuito da utente, estabelecer limites no tempo máximo de espera das várias etapas, desde o primeiro contato da mulher até a consulta de planejamento familiar pós-aborto. Para otimizar a qualidade dos serviços prestados foram também realizados protocolos de atuação, quer no aborto médico como no cirúrgico”. Segundo Mara outra questão que foi muito importante para a implementação da lei foi a regulamentação da objeção de consciência, nomeadamente que “o direito à objeção de consciência que é um direito individual e não coletivo, isto é, não pode haver um Serviço de Saúde objetor de consciência, apenas médicos objetores. É importante também referir que os médicos objetores têm obrigatoriamente que encaminhar a utente a um médico que não seja objetor”.

A existência do aborto medicamentoso também facilitou a implementação do aborto pois pode ser realizado em ambulatório, não necessitando de internamento ou de tantos recursos como o aborto cirúrgico. 95,7% dos abortos feitos no SNS foi realizada pelo método medicamentoso. Há, inclusive, postos de saúde onde é possível realizar um aborto através do método medicamentoso. Para que estes postos o pudessem fazer foi apenas necessário que os médicos e enfermeiras recebessem formação, e terem que ter disponível o acesso a uma consulta de apoio psicológico.

Nem mais uma morte por aborto clandestino

Ana de 14 anos foi uma das últimas mulheres a morrer em Portugal vítima de aborto clandestino. Depois de implementada a lei que permite a interrupção da gravidez por opção da mulher não foi registrada mais nenhuma morte por aborto e as complicações graves como perfuração do útero e sépsis tornaram-se extremamente raras.

Passados 3 anos da implementação da lei a redução do número de abortos clandestinos foi drástica, havendo ainda um número reduzido, muito por falta de conhecimento da nova lei e também pelos casos em que as mulheres não conseguem fazer um aborto antes das 10 semanas. Segundo Mara dos MPE “continua a haver circulação ilegal de “cytotec” e acredito que a grande maioria dos abortos ilegais são medicamentosos, como já acontecia antes da legalização, e estes têm menos complicações que os abortos cirúrgicos, daí o grande decréscimo de complicações. Principalmente em relação a grupos mais vulneráveis (imigrantes, adolescentes) continua a ser urgente informar todas as mulheres do “novo” direito à escolha, assim como informar do acesso gratuito ao aborto e a confidencialidade de todo o processo”.

Para a Associação para o Planejamento da Família o prazo de 10 semanas é muito curto e dever-se-ia alargar o prazo para as 12-14 semanas tal como na maioria dos países europeus. Não seria o número de abortos total que iria aumentar mas sim os abortos clandestinos que seriam ainda mais reduzidos. Mara dos MPE, defende que para além disso “é excessivo que as adolescentes com menos de 16 anos, no novo quadro legal, só possam realizar IVG mediante consentimento informado dos pais (ou tutor legal), considero que qualquer mulher com uma gravidez não desejada tem autodeterminação suficiente para tomar decisões que só a ela (e a quem cada mulher desejar voluntariamente envolver) competem. É importante esclarecer que, por lei, todas as mulheres (e não só as adolescentes) que desejem realizar IVG têm acesso, sempre que desejaram, a apoio psicológico ou do serviço social, serviços que, embora não sendo obrigatórios, têm que ser sempre obrigatoriamente oferecidos e disponibilizados.”

O direito ao aborto gratuito e seguro

A principal razão da redução drástica do aborto clandestino foi o fato deste ser gratuito no SNS, permitindo assim às mulheres trabalhadoras, que não têm recursos para pagar um aborto numa clínica privada, ter acesso a um aborto seguro. Estimava-se que se realizassem por ano entre 17000 a 20000 abortos em Portugal, por opção da mulher. Em 2009 realizaram-se 18951 abortos nestas condições, destes mais de 70% foram feitos no SNS.

Esta foi uma das grandes bandeiras dos Médicos pela Escolha que sempre defenderam que tão ou mais importante que legalizar o aborto era garantir que este fosse acessível às mulheres trabalhadoras com menos recursos. São estas mulheres que mais necessidade têm de planejar a sua família e mais provavelmente poderão ter que recorrer ao aborto perante uma gravidez inesperada. 19% das mulheres que fizeram um aborto em Portugal, em 2009, eram trabalhadoras não qualificadas, 18% eram estudantes, 17% estavam desempregadas. Estas mulheres consideraram não ter as condições necessárias para criar um filho e ao contrário do que acontecia antes de 2007 puderam tomar essa decisão com dignidade, independentemente dos seus recursos econômicos.

Por um aborto raro, legal e seguro

Um dos principais argumentos dos movimentos antiescolha era que o número de abortos iria aumentar exponencialmente porque as mulheres iriam deixar de fazer contracepção e passar a usar o aborto como único método de planejamento familiar. Sabíamos que isto não era verdade, mas apenas um atestado de imbecilidade passado às mulheres, o mesmo que dizer que estas não têm capacidade de decidir sobre a sua vida sexual e reprodutiva. Tal não aconteceu nos demais países onde o aborto foi legalizado e também não iria acontecer em Portugal.

E assim foi, não houve nenhum aumento exponencial do número de abortos, as mulheres não deixaram de fazer contracepção, aliás sabemos agora que 96% das mulheres que fizeram um aborto estavam usando algum método contraceptivo (60% tomavam a pílula). Um número semelhante a tantos outros países. A contracepção, qualquer que seja, falha e uma gravidez indesejada pode acontecer a qualquer mulher. Agora esta falha pode ser comunicada ao médico assistente que poderá ver em conjunto com a mulher se havia algum erro no uso do método contraceptivo e/ou escolher um método mais adequado, havendo mesmo uma consulta exclusiva para isso.

Além disso, entre as mulheres que abortaram apenas 4% tinham feito 2 ou mais abortos na sua vida, ou seja, tal como defendíamos, as mulheres na sua grande maioria, se tiverem acesso a métodos contraceptivos, só recorrem ao aborto quando todo o resto falha.

A luta não terminou aqui

A legalização do aborto e a sua realização no SNS é uma grande vitória para as mulheres em geral e em especial para as mulheres trabalhadoras. No entanto, ainda há aborto clandestino e enquanto assim for temos que continuar a lutar para que este desapareça por completo.

É necessário que o limite legal para a interrupção da gravidez seja aumentado, não há qualquer razão científica ou ética que justifique as 10 semanas. Na prática 10 semanas é um prazo muito curto para permitir que as mulheres descubram que estão grávidas e ainda consigam passar por todo o processo até a consulta de interrupção. Nos países onde o prazo limite é maior a porcentagem de abortos realizados não aumenta, apenas diminui ainda mais o aborto clandestino.

É necessário que se desenvolvam campanhas de informação acerca da nova lei para todas as mulheres, em especial às imigrantes, dizendo-lhes que todas têm direito a um aborto gratuito desde que residam em Portugal.

Para além do tempo limite ter de ser aumentado, a interrupção da gravidez deve ser ainda mais acessível através do aumento da disponibilização do aborto medicamentoso nos postos de saúde.

Não podemos esquecer que todo este processo deve ser acompanhado pela exigência de que os métodos contraceptivos sejam gratuitos e estejam amplamente disponíveis nos postos de saúde juntamente com a disponibilização de consultas médicas e de enfermagem para ajudar as mulheres a estabelecer o método que mais lhes convém. Devemos também continuar a exigir que haja educação sexual nas escolas para que os jovens ampliem o conhecimento do seu próprio corpo e saibam como evitar uma gravidez indesejada. Para que cada vez mais o aborto se torne raro, precoce e seguro.
          
No entanto, enquanto houver capitalismo, o acesso gratuito a um aborto seguro para as mulheres trabalhadoras estará sempre em causa. Neste momento Portugal está fortemente atingido pela crise econômica, o governo neoliberal de serviço, do Partido Socialista, já começou a passar a fatura aos trabalhadores e entre outras medidas está fazendo um grave ataque ao SNS com cortes gigantescos no seu orçamento. Estes ataques ao Serviço Nacional de Saúde colocam em risco, entre outras coisas, a realização do aborto de forma ampla, segura e gratuita, e portanto o acesso ao aborto pelas mulheres trabalhadoras. Este ano já houve setores que falaram na necessidade de apenas o primeiro aborto ser gratuito, tendo as mulheres que pagar pelos seguintes. Para além de que mesmo numa perspectiva econômica liberal os custos do tratamento das complicações de aborto clandestino acabam por ser maiores, a dignidade e a vida de uma mulher, que pode ser a nossa irmã, a nossa mãe, a nossa amiga, a nossa namorada, a mãe dos nossos filhos, não tem preço.

Além disso, não só é necessário o acesso ao aborto para todas as mulheres como também o acesso generalizado e gratuito a todos os métodos contraceptivos. Tal não é possível porque as grandes empresas farmacêuticas querem manter os gigantescos lucros deste mercado.
          
Lutar pelo direito a um aborto seguro e gratuito, assim como o direito ao Planejamento Familiar, será sempre para os trabalhadores uma luta incompleta se não estiver aliada à luta pelo fim do capitalismo.

Diana Curado - militante do Ruptura/FER, secção da LIT em Portugal; médica e a membro da Associação Médicos pela Escolha. Artigo realizado com a colaboração de Marta Luz

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[1]  Associação de profissionais de saúde, e colaboradores de outras áreas, que luta pela defesa dos direitos sexuais e reprodutivos. Em 2006 criou um movimento com o mesmo nome que fez campanha para o plebiscito, defendendo o direito ao aborto seguro e gratuito.

“O aborto mal feito é a terceira causa de morte materna”

Retirado do Aborto em Debate
Entrevista Nalu Faria na Caros Amigos, edição de novembro 2010

Psicóloga, coordenadora geral da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e integrante da Secretaria Nacional da Marcha Mundial das Mulheres, Nalu Faria é um dos nomes mais importantes do Brasil na questão da luta das mulheres. Feminista e anticapitalista, ela discute, nesta entrevista à Caros Amigos, as principais bandeiras do movimento de mulheres no país, como violência doméstica, equiparação salarial, luta contra o machismo e o direito ao aborto. A falta de atendimento médico e hospitalar adequado tem sido responsável pela morte de mais de 500 mulheres por ano no Brasil, devido a abortos clandestinos. .São mortes que poderiam ser evitadas. O assunto é recolocado na perspectiva da luta histórica da sociedade, diferentemente das distorções que sofreu no último processo eleitoral. Vale a pena conferir o que Nalu Faria tem a nos contar.

Tatiana Merlino – Gostaria que você falasse um pouco da sua infância, até o início da sua trajetória no feminismo.
Hamilton Octavio de Souza – E nome completo.
Nalu Faria – Bom, meu nome é Nalu Faria Silva, eu nasci em Uberaba. Minha mãe morava na roça, e fui para Uberaba só para nascer e voltei. Eu vivi até os 9 anos em um sítio e depois a gente mudou para uma cidadezinha do lado, Água Comprida, onde vivi até terminar, na época, o ginásio.

Tatiana Merlino – Em que ano você nasceu?Eu nasci em 1958 e vivi lá em Água Comprida até 1974. Aí fui para Uberaba, fiz o colegial, fiz a universidade lá, comecei a militar quando entrei na universidade, em 1978.

Lúcia Rodrigues – Que curso?Fiz Psicologia. E vim para São Paulo. Tem exatamente 27 anos. Cheguei em São Paulo no dia 21 de outubro de 1983.

Tatiana Merlino – Por que você veio para São Paulo?
Acho que por duas coisas. Uma, porque estava militando em Uberaba. Era militante feminista no movimento estudantil lá. Estava num grupo de mulheres, no Partido dos Trabalhadores, as chamadas fundadoras do PT na cidade. E eu tinha muita vontade de militar. Então, eu achava que Uberaba era pequena. Queria militar e São Paulo aparecia como um bom lugar. Então, isso foi um dos motivos. Militante do PT e formada em Psicologia é difícil o acesso real ao emprego. Então vim para cá.

Tatiana Merlino – Em Uberaba você já começou a militar no movimento de mulheres?Em Uberaba, a gente comemorou o 8 de março de 1980. Foi o primeiro contato com esse debate. Eu era do curso da Psicologia e lá tínhamos um bom grupo que naquela época estava aberto a esses temas da sexualidade, da discussão das mulheres, éramos briguentas. Nós escutávamos muito: “Pra quê vocês estão estudando se vão casar e ter filhos, pôr o diploma na gaveta, tudo isso”. Então, tinha muitos ataques machistas. O primeiro debate que eu fiz foi sobre aborto, um pouco antes de vir para São Paulo, 1983. Chegando em São Paulo, eu até brincava que tinha muita vontade de militar, mas com o desemprego em 1983, eu costumo dizer que a militância foi a última coisa que eu resolvi. Aqui, fiz várias tentativas de militância até que consegui achar um lugar no movimento de mulheres e, em 1985, eu comecei a militar no movimento de mulheres. E militando de forma cotidiana no PT nos últimos anos, em particular na secretaria de mulheres do PT. Eu fui da secretaria de mulheres do PT até 2004.

Hamilton Octavio de Souza – Antes disso, no final de 1979, a gente tinha aqui em São Paulo alguns jornais do movimento feminista: Nós, Mulheres, Mulherio, Brasil Mulher. Tinha vários grupos feministas. Quando você começou a militar, como era o movimento das mulheres em 1985?Eu cheguei em um momento bem difícil do movimento de mulheres. Quando eu cheguei, não tinha um espaço de articulação do movimento, porque tinha tido aquilo no período da campanha eleitoral de 1982. A visão dos projetos políticos frente à transição da ditadura marcou dois campos no movimento das mulheres. O setor que era, na época, mais vinculado ao PMDB foi entrando mais para a política institucional, conselhos, e o outro campo de autonomistas, de reflexão, do Nós Mulheres, e outros, se desarticulou. A gente se juntava para organizar o 8 de março, e, justamente nessa época, a gente estava discutindo a importância de ter uma  coordenação do movimento de São Paulo para que funcionássemos para além do 8 de março. Mas, a partir de 1986, principalmente, o Encontro Feminista Latino-americano, que teve aqui em São Paulo, em 1985, deu um novo gás, e a partir de 1986 começaram a acontecer várias coisas no movimento de mulheres, para mim, que queria militar com os setores populares, que foi a articulação das mulheres da CUT, que foi em 1986. A gente começa a ir articulando outras coisas nos setores mistos.

Hamilton Octavio de Souza – Quais eram os pontos de luta?Naquela época, tinha uma agenda forte com relação ao tema que se chamava planejamento familiar. Também tinha os temas da violência e da creche. A gente tinha vindo da campanha por creche, já tinha isso. E um tema genérico de “salário igual para trabalho igual”. Aí, com a Constituinte aparece o tema do aborto. A gente fez um processo de mobilização para colher 30 mil assinaturas, para entrar com uma emenda na Constituinte. Foi o momento que a gente colocou mais a cara na rua, com o tema do aborto. Conseguimos as 30 mil assinaturas e o que nós conseguimos na Constituinte, que o direito à vida, na Constituição, é desde o nascimento.

Hamilton Octavio de Souza – A diferença era entre a concepção e o nascimento?No movimento das mulheres tinha prevalecido essa visão de não colocar o tema do aborto, porque se pusesse, ia apanhar. Como no anteprojeto vem essa questão do direito à vida desde a concepção, exige-se uma reação do movimento e aí aparece a emenda, a negociação, a mudança do artigo sobre o direito à vida. Depois começa a haver uma articulação das mulheres negras, com um primeiro encontro em 1988. Reaparece o grupo de mulheres lésbicas. A gente teve um Encontro Feminista em 1989, aqui em São Paulo, o 10º Encontro Nacional Feminista. Foi um marco: primeiro a gente saiu de lá com a ideia de fazer uma campanha nacional pela legalização do aborto, que era uma polêmica. Teve debates, oficinas amplas sobre a questão lésbica, do partido. Tinha coisas que também que, por um motivo ou por outro, no movimento feminista eram meio tabu, o partido não entrava, porque era movimento autônomo. Aí, depois nos anos 1990, o movimento de mulheres cai num processo de institucionalização, que a gente chama de aumento das Ongs, um momento que o movimento acompanha muito as agendas da ONU, que é essa idéia  do neoliberalismo, débâcle mesmo na discussão no movimento mais de esquerda.

Hamilton Octavio de Souza – Por que afetou? Em que aspecto?Porque começa com um discurso no movimento de mulheres do impacto da globalização, do neoliberalismo. Primeiro uma ideia de que tinha perdido o papel dos Estados nacionais, que era uma agenda global da ONU e deveria inserir as questões dos direitos ali. Então, isso foi uma coisa que prevaleceu na América Latina e que significou uma profissionalização do movimento das mulheres, as pessoas começam a participar das conferências da ONU. Nossa avaliação, da Sempre Viva Organização Feminista (SOF), setor em que milito na Marcha Mundial das Mulheres (MMM) é que, embora não tenha grandes vitórias para o movimento de mulheres, na segunda metade dos anos 1990, as feministas que investiram nesse processo manejaram com um discurso triunfalista, de dizer que estava alcançando as vitórias; por exemplo, na Conferência do Cairo, que foi a conferência sobre população, entrou o tema do aborto, pela primeira vez, em 1994. Só no final dos anos 1990 que a gente consegue recuperar o fôlego, organizando um setor mais crítico ao neoliberalismo. Aqui no Brasil, nós identificamos como duas coisas: primeira, a vinda da campanha da Marcha Mundial das Mulheres para cá…

Tatiana Merlino – Como a campanha da Marcha chegou?As mulheres do Quebec começaram a articular a Marcha. Elas tinham feito lá, em 1995, Pão e Rosas, já depois da assinatura do NAFTA, percebendo que ele ia trazer muitos retrocessos para as mulheres. E elas fizeram uma campanha, uma marcha mesmo, de 200 quilômetros e as principais reivindicações tinham a ver com o aumento do salário mínimo, coisas com relação à migração, a economia solidária, os direitos e documentação das imigrantes. E lá surgiu a idéia de ter uma marcha internacional em 2000. Aí elas começaram a articular e criaram essa coisa da internet para a gente aderir. E quem chamou a primeira reunião aqui para definir quem ia para o encontro internacional em 1998, onde a gente definiria a plataforma da marcha, foi a própria CUT, o setor de mulheres. Ela começou como uma campanha, em 2000, contra a pobreza e a violência. Fizemos a marcha em 2000, e teve grande impacto, já desde o seu lançamento, porque era algo articulado, uma campanha nacional que era também internacional. E, na avaliação da marcha, que foi lá em Nova York, depois de 17 de outubro, teve a proposta de continuidade, como um movimento permanente. Foram 163 países que participaram da primeira [marcha]. Hoje nós estamos em 70 países. Então, começamos a articular a marcha como um movimento permanente. A gente se vinculou muito ao processo do Fórum Social Mundial. Fizemos duas ações que ajudaram muito a articular a marcha aqui: o nosso envolvimento na campanha contra a Alca, e a campanha pela valorização do salário mínimo. Outra coisa que foi forte desde o início na marcha foi conseguir articular um movimento que junta mulheres da cidade e do campo.

Hamilton Octavio de Souza – Quais são os pontos de união entre as mulheres do campo e as mulheres da cidade? O que tem em comum de luta?A gente está vendo mais pontos que unificam. No caso das trabalhadoras rurais, no início do ano 2000, depois de ter conquistado o direito à aposentadoria, o reconhecimento como trabalhadora rural, elas estavam cada vez mais reivindicando políticas em relação, vamos dizer assim genericamente, ao mundo do trabalho. Não só a posse da terra, crédito, e outras coisas que diferencia de movimento para movimento, mas tem uma pauta comum, aí. Mas, é impressionante como, por exemplo, para a trabalhadora rural também toca o tema da violência, o tema da saúde. E, na medida em que a gente está construindo um movimento que olha para esse geral do modelo de desenvolvimento, do modelo de sociedade, os pontos em comum são cada vez maiores. Então, ter uma opinião sobre a política econômica, ter uma opinião sobre a política previdenciária são coisas que nos juntam. A gente tem tentado mostrar que não se constrói soberania alimentar se não, por exemplo, se altera o que é a indústria da alimentação. Os temas que antes não pareciam ter tanto vínculo entre a mulher urbana e a rural, a gente vai mostrando como as coisas estão vinculadas.

Lúcia Rodrigues – Hoje, dá para se dizer que existe uma bandeira das mulheres?Este é um dos problemas que nós temos no movimento de mulheres. Sempre foi difícil priorizar. O movimento de mulheres, depois foi se organizando muito por temas. Então, tinha a turma que trabalhava o tema da violência, turma da saúde, depois da moradia, sindical. Então, o leque foi se abrindo muito. E isso é uma das dificuldades que a gente tem de construir processos de articulação e mobilização mais ampla, porque tem uma plataforma muito ampla que não consegue definir prioridades por um período. Então, é um movimento multifacetado. Na verdade, nós não somos o movimento de mulheres, somos um setor do movimento de mulheres, no nosso caso da Marcha.

(*) Entrevista concedida originalmente para Cecília Luedemann, Gabriela Moncau, Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues, Otávio Nagoya e Tatiana Merlino. Fotos: Jesus Carlos. Para ler a entrevista completa confira a edição de novembro da revista Caros Amigos.

Milhares de mulheres saem às ruas na Itália para pedir demissão de Berlusconi

Publicado sábado, 29 de janeiro


Segundo o diário 'L'Unitá', mais de 10.000 mulheres saíram neste sábado à rua para protestar contra o chefe do Governo italiano e com o objetivo de restabelecer a dignidade a Itália.

Vestidas com um cachecol branco em sinal de luto pelo estado em que se encontra Itália, milhares de mulheres foram à praça da Scala a este ato em que participaram numerosos homens.

Os manifestantes portavam cartazes com legendas como "Ilda és grande", em alusão à fiscal milanesa que conduziu as pesquisas contra Berlusconi ou "Não quero passar por Arcore (casa de Berlusconi em Milão) para fazer política".

Promovido pelo diário 'L'Unitá', jornal próximo da esquerda, e organizado por diferentes coletivos de mulheres, com a adesão do sindicato da Cgil e das forças políticas progressistas, a mobilização precede aos numerosos atos previstos na contramão de Berlusconi para o próximo mês de fevereiro.

Assim, o diário 'La Repubblica' destaca em sua edição digital deste sábado que no próximo dia 6 de fevereiro o movimento Popolo Viola (Povo Violeta) convocou uma manifestação nas redondezas da residência que Berlusconi tem na localidade de Arcore, cerca de Milão, e onde supostamente se organizavam festas de índole sexual.

O Popolo Viola promoveu também numerosas sentadas para a 12 de fevereiro com o eslôgan: "Itália não é uma República fundada sobre a prostituição".

Entre as mobilizações previstas contra o líder direitista, também está a anunciada pelo principal partido da oposição reformista, o Partido Democrata (PD), que levará a cabo uma recolha de assinaturas por toda Itália para pedir a demissão de Berlusconi.

O secretário geral do PD, Pier Luigi Bersani, anunciou nos últimos dias que o objetivo da formação é o de recolher, para o próximo 8 de março, Dia da Mulher Trabalhadora, dez milhões de assinaturas que peça a renúncia de Berlusconi.

Está previsto que as maiores manifestações, tanto a favor como contra o político reacionário, tenham lugar no próximo dia 13 fevereiro, ainda que não exista uma confirmação de todos os atos anunciados.

27 de janeiro de 2011

Vítimas ignoradas das guerras

O estupro é terrivelmente comum em conflitos em todo o mundo

Pouco depois de dar à luz o sexto filho, Mathilde foi com o bebê para os campos para fazer a colheita. Ela viu dois homens se aproximarem, usando o que parecia ser o uniforme da FDLR, uma milícia de Ruanda. Ao fugir, encontrou outro homem, que golpeou sua cabeça com uma barra de ferro, caiu ao chão com o bebê e ficou imóvel. Talvez pensando tê-la matado, o homem foi embora. Os outros dois vieram e a violentaram, depois a abandonaram como morta.

A história de Mathilde é muito comum. O estupro na guerra é tão antigo quanto a própria guerra. Após o saque de Roma, há 16 séculos, Agostinho chamou o estupro em tempo de guerra de um “mal antigo e costumeiro”. Para os soldados, há muito tem sido um espólio de guerra. Antony Beevor, historiador que escreveu sobre estupros durante a ocupação soviética da Alemanha, em 1945, diz que a violação pode ocorrer na guerra tanto por obra de soldados indisciplinados quanto como arma estratégica para humilhar e aterrorizar, como no caso das Forças Regulares de marroquinos que lutaram sob as ordens de Franco na Guerra Civil Espanhola.

Conforme o registro dos estupros foi aperfeiçoado, a escala do crime tornou-se mais visível . Com a Guerra da Bósnia, na década de 1990, reconheceu-se o uso sistemático do estupro como arma de guerra e da necessidade de puni-lo como crime hediondo. Com campanhas globais e a resolução oficial nesse sentido do Conselho de Segurança da ONU, em 2008, o mundo sensibilizou-se.

Teoricamente, as convenções de Genebra sobre tratamento dos civis durante a guerra são respeitadas por políticos e generais na maioria dos países civilizados. Mas no caos da guerra irregular, com exércitos privados ou milícias indisciplinadas, essas normas têm pouco peso.

A parte oriental do Congo tem sido caó­tica desde o genocídio em Ruanda, em 1994. Em 2008, o grupo humanitário Comitê de Resgate Internacional (IRC, em inglês) estimou que 5,4 milhões de pessoas­ já tinham morrido na “guerra mundial da África”. Apesar dos acordos de 2003 e 2008, a violência ainda não cessou.

Há muitos números sobre quantas mulheres foram violadas, nenhum conclusivo. Em outubro de 2010, Roger Meece, chefe das Nações Unidas no Congo, disse ao Conselho de Segurança da ONU que 15 mil mulheres tinham sido estupradas em todo o país em 2009 (os homens também sofrem, mas a maioria das vítimas é de mulheres). O Fundo para a População da ONU estimou 17,5 mil vítimas no mesmo período. O IRC diz que tratou 40 mil sobreviventes somente na província de Kivu Meridional, entre 2003 e 2008.

Hillary Margolis, que dirige o programa de violência sexual do IRC, diz que esse dado representa um piso. Os verdadeiros números podem ser muito maiores. Sofia Candeias, que coordena o projeto Acesso à Justiça do Programa de Desenvolvimento da ONU no Congo, diz que violações são mais relatadas em lugares com serviços de saúde. Onde a luta é mais acirrada, as mulheres podem ter de caminhar centenas de quilômetros antes de contarem a alguém que foram atacadas e, até lá, podem ter-se passado meses ou anos. Muitas vítimas são mortas pelos atacantes, ou morrem dos ferimentos causados. Muitas não relatam o estupro por causa do estigma.

Um estudo recente da Iniciativa Humanitária de Harvard e da Oxfam examinou sobreviventes no Hospital Panzi, em Bukavu, cidade de Kivu Setentrional. Com idades de 3 a 80 anos, solteiras, casadas ou viúvas, de todas as etnias, foram estupradas em casas, campos e florestas, na frente dos maridos e dos filhos; quase 60% violadas por grupos. Filhos foram obrigados a violar as mães ou seriam mortos.

O tabu que cerca o estupro é tão forte que poucos casos foram relatados pela história; evidências antes do século­ XX são escassas. Com um melhor registro, o mundo despertou para a escala do crime. Tornou-se visível o sequestro de mulheres como escravas sexuais, tortura e mutilação sexualizadas, estupro em público ou privadamente.
Não é só um problema africano. De 1980 a 2009, segundo Dara Kay Cohen, da Universidade de Minnesota, nos EUA, um terço das 28 guerras civis da África e metade das nove guerras na Europa Oriental tiveram altos níveis de estupro e nenhuma parte do mundo escapou à praga.

As condições da guerra são propícias: homens jovens e mal treinados, lutando longe de casa, livres das restrições sociais e religiosas. Para combatentes mal alimentados e remunerados, pode ser uma espécie de pagamento. Conforme as guerras passaram dos campos de batalha para as aldeias, mulheres e meninas ficaram mais vulneráveis. O front doméstico não existe mais; toda casa é a linha de frente.

Por outro lado, na guerra civil de El Salvador, o estupro foi raro e quase sempre praticado pelas forças do Estado. As milícias de esquerda contavam com o apoio dos civis. Pode-se estuprar para aterrorizar pessoas ou obrigá-las a abandonar uma área, diz Elisabeth Wood, professora na Universidade de Yale e no Instituto Santa Fé, mas não quando se quer obter delas informações confiáveis ou governá-las no futuro.

Alguns grupos cometeram todo tipo de atrocidade, menos o estupro, como foi o caso dos Tigres Tâmeis, que expulsaram dezenas de milhares de muçulmanos da Península de Jaffna, em 1990. Os costumes tâmeis proíbem o sexo entre pessoas que não são casadas e de diferentes castas. Além disso, explica Wood, a estrita disciplina interna da organização permitia aos comandantes aplicar essas regras.

Alguns líderes, como Jean-Pierre Bemba, chefe de milícia do Congo hoje julgado por crimes de guerra em Haia, diz não ter pleno controle de suas tropas. Mas um comandante com controle suficiente para dirigir soldados em operações militares pode impedir que cometam estupros, afirma Wood.

Permiti-los é um meio de dominar inimigos e civis sem correr o risco da batalha. Diante do estupro, os civis fogem e deixam terras e propriedades para os atacantes. Em agosto de 2010, milícias rebeldes violaram cerca de 240 pessoas durante quatro dias no distrito de Walikale, leste do Congo. Os motivos não são claros. Pode ter servido para intimidar a população a fornecer ouro e estanho das minas próximas. Ou, talvez, um comando local do exército tivesse um conluio com os rebeldes para não ser substituído e perder o controle da área e de seus recursos. Em Walikale, pelo menos, o estupro parece ter sido uma tática deliberada, e não aleatória, diz Margolis.

No pior dos casos, o estupro é um instrumento de limpeza étnica e genocídio, como na Bósnia, em Darfur e Ruanda. Foi na Bósnia que a violação foi reconhecida pela primeira vez como arma de guerra. Todos os lados o praticaram, mas a maioria das vítimas era de bósnio- muçulmanas atacadas por sérvios. Eram conduzidas a “campos de estupro” e violentadas repetidamente, em geral por grupos de homens. Esses horrores surgiram nas audiências do Tribunal de Crimes de Guerra da ex-Iugoslávia, em Haia; as vítimas testemunharam por escrito ou anonimamente. Alguns disseram ter recebido ordens para estuprar, visando expulsar os não sérvios de certas áreas ou forçar mulheres a terem filhos sérvios. Em 1995, quando croatas invadiram áreas detidas pelos sérvios, houve violência sexual contra mulheres e homens.

Na região sudanesa de Darfur, a violência sexual também é uma maneira de aterrorizar e controlar os civis. As mulheres são violadas nos campos de refugiados, principalmente quando se afastam para recolher lenha, água e comida. As da mesma etnia dos dois principais grupos rebeldes foram visadas, principalmente, como parte da campanha de limpeza étnica.

Segundo a Human Rights Watch, o estupro é cronicamente mal documentado, em parte porque na região, de maioria muçulmana, a violência sexual é um tema delicado. Entre outubro de 2004 e fevereiro de 2005, a organização francesa Médicos Sem Fronteira tratou quase 500 mulheres e meninas no sul de Darfur. O número real deve ser muito maior.

No genocídio de Ruanda, o estupro foi “a regra, e sua ausência a exceção”, segundo a ONU. Nas semanas anteriores às matanças, os jornais hutus publicaram charges mostrando mulheres tútsi tendo sexo com soldados das forças de paz belgas, tidas como aliadas da Frente Patriótica de Ruanda de Paul Kagame. Para Inger Skjelsbæk, vice-diretor do Instituto de Pesquisa da Paz em Oslo (Noruega), a propaganda hutu sugeriu que a causa tútsi­ seria bem servida pela violação sexual de mulheres hutus. Jens Meierhenrich, observador em Ruanda da Escola de Economia de Londres, diz que mesmo que os comandantes de alto nível não ordenassem a violação, lhes davam aprovação tácita. Oficiais de patente mais baixa podem ter incentivado abertamente o crime.

Do horror de Ruanda veio o primeiro veredicto legal que reconheceu o estupro como arma de genocídio. Depois da condenação de Jean Paul Akayesu, um político local, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda o declarou parte integrante da iniciativa para eliminar o povo tútsi.

Cohen diz que grupos armados que não são socialmente coesos, ainda mais quando os combatentes foram recrutados à força, têm maior probabilidade de cometer estupros, especialmente em grupo, de modo a construir laços internos. Um caso é a Frente Revolucionária Unida de Serra Leoa (RUF): seus milicianos, que na maioria dizem ter sido sequestrados para suas fileiras, violentaram milhares durante a guerra civil.

Para as vítimas e suas famílias, a violação causa o oposto. A vergonha e a degradação destroem os laços sociais. Nas sociedades onde a honra de uma família repousa na pureza sexual­ ­de suas mulheres, a culpa pela desonra muitas vezes não recai nos estupradores, mas nas vítimas. Em Bangladesh, onde a maioria das vítimas era muçulmana, a violação não humilhou apenas a elas, mas também a suas famílias e comunidades. O então primeiro-ministro Mujibur Rahman tentou combater isso tratando-as como heroínas que precisavam de proteção e reintegração. Alguns homens aceitaram, a maioria não; exigia compensações na forma de pagamento de dotes pelas autoridades.

No Congo, apesar dos esforços de ativistas, a violação ainda acarreta desonra para a vítima, diz Margolis: “As pessoas podem se sentar e conversar em abstrato sobre a importância de abolir o estigma, mas, quando se trata de suas próprias esposas, filhas ou irmãs, a história é outra”. Muitas são rejeitadas pelas famílias e estigmatizadas.

Há pouca perspectiva de justiça para as vítimas. Akayesu é um dos poucos julgados por estupro em guerra, crime que, embora proibido pelas convenções de Genebra, muitas vezes recebeu relativamente pouca atenção. O tribunal para os crimes nos Bálcãs inovou ao tratar o estupro como crime contra a humanidade e a condenação de três homens por estupro, tortura e escravização sexual de mulheres na cidade bósnia de Foca foi um grande marco.

Mas no Congo o sistema jurídico está destroçado. Houve menos de 20 processos de estupro como crimes de guerra ou contra a humanidade. A associação dos advogados dos Estados Unidos, que ajuda as vítimas a levar seus casos aos tribunais do leste do Congo, processou perto de 145 casos nos últimos dois anos. Isso resultou em cerca de 45 julgamentos e 36 condenações pelas leis locais, incluindo a que foi aprovada em 2006 para julgar e abordar o problema da violência sexual.

Os que trabalham com sobreviventes de violação no Congo têm sentimentos contraditórios sobre a lei de 2006. Ela despertou a consciência das pessoas sobre seus direitos, admite Margolis, e teoricamente ajuda a punir os criminosos. Mas para as mulheres teve pouco impacto. “Ainda tem um brilho de esperança nos olhos quando falam da lei. Mas, se os sistemas jurídicos e de segurança não forem aperfeiçoados para aplicá-la, perderão a confiança nela”, diz Margolis.

Enormes problemas práticos prejudicam o sistema legal do Congo, diz Richard Malengule, diretor do programa de Gênero e Justiça da Heal Africa, um hospital em Goma. As pessoas têm de caminhar 300 quilômetros para chegar a um tribunal. A polícia não tem dinheiro nem treinamento. Os presos muitas vezes fazem um acordo com a família da vítima ou com o tribunal e são libertados em poucos dias, ou escapam. Muitas prisões não têm porta ou têm guardas corruptos.

Alguns querem maior envolvimento internacional. Justine Masika, que dirige uma organização em Goma que busca justiça para as vítimas de crimes sexuais, disse que os tribunais do Congo têm de trabalhar com os internacionais. Mas tais tribunais “híbridos” exigem envolvimento do governo, que não se dedica a combater o estupro. O Tribunal Penal Internacional está investigando crimes, incluindo estupro, no Congo, mas é difícil reunir as provas necessárias.

Aumentar a consciência global é outro caminho; ajuda a reduzir o estigma. Várias resoluções da ONU nos últimos dez anos condenaram a violência sexual contra mulheres e meninas e pediram aos países mais ações para combatê-la. Mas não basta.

Pior, a ONU enfrentou críticas por deixar de proteger as congolesas da violação. Em Walikale, um de seus funcionários receia que o órgão não tenha cumprido sua obrigação de proteger as civis. Em lugares mais remotos é difícil as forças de paz alcançá-las, mas nesse caso isso não explica o fiasco. “Todas essas entrevistas e investigações, o que conseguiram? As sobreviventes são entrevistadas diversas vezes. Aonde isso as leva?”

Sem a ONU, as atrocidades seriam ainda mais generalizadas, diz Malengule. Mas é preciso mais pressão sobre o governo do Congo, que, hoje, lamenta um trabalhador humanitário, só recebe censuras vazias.

Mesmo quando as guerras terminam, o estupro continua. Agências humanitárias no Congo relatam altos níveis de violações em áreas hoje pacíficas, mas é difícil avaliar cifras. Não há números de antes da guerra e uma maior disposição para relatar violações pode explicar o aparente aumento. Mas anos de combates resultaram em uma cultura de estupro e violência, diz Malengule. Os esforços para integrar ex-combatentes na sociedade foram superficiais e malsucedidos, com pouca avaliação de resultados.

Some-se o precário sistema judiciário e a previsão é sombria. É ainda mais inóspita quando se vê como os efeitos do estupro são duradouros. Rebeldes tomaram a aldeia de Angelique, em 1994. Degolaram seu marido, depois a amarraram entre duas árvores com os braços e as pernas afastados. Sete homens a estupraram antes que ela desmaiasse. Ela não sabe quantos outros a violaram em seguida. Depois eles enfiaram galhos em sua vagina. O tecido entre sua vagina e o reto foi rasgado e ela desenvolveu uma fístula. Durante 16 anos vazou urina e fezes. Agora recebe tratamento médico, mas a justiça é um sonho distante.

#FimdaViolenciaContraMulher

Marido prende a mulher por 16 anos em porão

Matéria do site Estadão
José Maria Tomazela - O Estado de S. Paulo

O aposentado João Batista Groppo, de 64 anos, foi preso ontem acusado de manter a própria mulher, da mesma idade e com problemas mentais, presa por 16 anos no porão de casa, em Sorocaba, a 92 km de São Paulo. Casado há mais de quatro décadas, Groppo vivia no local com outra mulher - Maria Aparecida Furquim, presa como cúmplice de cárcere privado e maus-tratos. 

"Era de arrepiar. Havia cães e animais soltos no quintal, enquanto a idosa estava no porão, trancada com grade e cadeado", disse a delegada Jaqueline Barcelos Coutinho, que recebeu uma denúncia anônima - supostamente de um vizinho, condoído pelo choro da idosa - e mandou uma investigadora até a casa, na Vila Santana, bairro tradicional da cidade. "Ela não conseguiu contato com a vítima, porque o marido alegou que ela estava muito agressiva." A delegada decidiu então ir ao local, no início da tarde, acompanhada de uma equipe. E o que viu a deixou chocada. A idosa foi achada sem roupa, sobre uma cama de concreto, em um cubículo úmido, mal cheiroso, sem luz nem ventilação. As paredes tinham bolor, teias de aranha e caramujos e as refeições eram passadas pela grade pela amante de Groppo.

O aposentado disse que manteve a mulher presa porque ela sofria de doença mental e, se saísse, fugiria e quebraria coisas. Contou ainda que tirava a mulher do porão a cada dois meses para levá-la ao médico. "Ela tem deficiência mental, mas está longe de ser agressiva", rebate a delegada. "Ao contrário, ficou escondidinha atrás de um pano como um animalzinho assustado."

Segundo Jaqueline, primeiro Groppo afirmou que a mulher estava no porão desde 1995. Na delegacia, mudou a data para 2003. "É uma situação aviltante, em que a vítima estava numa condição que nem para animal servia."

A idosa foi levada ao Hospital Regional de Sorocaba e, após exames, entregue a um filho. Ele alegou não saber sobre as condições da mãe, pois visitava pouco o pai. Groppo foi levado ao Centro de Detenção Provisória e sua companheira, à cadeia de Votorantim. Eles serão processados por cárcere privado, qualificado por agravantes, como idade da vítima e condição de esposa.

Jaqueline conta que a mulher deixou o porão de forma submissa, vestiu a roupa dada pela amante e foi para a viatura sem reclamar. "Ao contrário do que o marido alega, é uma pessoa dócil, totalmente inofensiva."

#FimdaVioleciaContraMulher

26 de janeiro de 2011

Da TV - Mafalda



POLVO DE GALLINA NEGRA - Artistas feministas: embate dentro e fora dos movimentos

Era uma vez no México a história da união do feminismo e da arte...

Mas para entender é preciso voltar ao ano de 68, que provavelmente é um divisor de águas nos movimentos sociais deste país. Insatisfeitos com a baixa qualidade de ensino, com o regime militar e com a desigualdade social, estudantes mexicanos se articulam e iniciam suas manifestações. Era ano de Olimpíada e o governo decide por fim aos protestos e o exército invade a Universidade Nacional Autônoma do México. Estudantes são espancados e o reitor demite-se.  
LINK Invasão da Universidade do Estado de Santa Catarina pela PM para prender, espancar e atacar com ‘choques’ manifestantes contra o aumento da tarifa de ônibus em 2010 (fotos aqui)


Registros do Massacre de Tlatelolco


Sem se inibir, o movimento aumenta, realiza greves e dia 02 de outubro cerca de 15 mil estudantes secundaristas, universitários, apoiadores da revolução cubana e trabalhadores realizam seus protestos pelas ruas da Cidade do México com cantos e cravos vermelhos. Mas antes de anoitecer a praça foi invadida por militares e a morte de um número até hoje indefinido de pessoas (governo confirma 4 mortos e outras fontes apontam mais de 300) que foram brutalmente assassinadas, outras espancadas e presas. A noite é conhecida como o Massacre de Tlatelolco.


Obra de Monica Mayer, Ilusões
E é neste contexto de mobilização social extrema, para combater o governo autóritário, que as pessoas passaram a se reunir em organizações populares. Normamelmente chamados de ‘grupos’ estes coletivos discutiam política, arte, direitos e toda sorte de temas e fomentavam suas ações. Estes grupos também serviam de espaços independentes de arte e protestos culturais. Aproveitando este momento, mulheres de diferentes núcleos expressam suas lutas contra o machismo através de performances, pintura e artes gráficas. Não é que o feminismo tenha surgido neste momento, mas é neste caldo cultural que essas mulheres se auto-denominam feministas de fato.

Mas, para não variar, a pauta feminista foi em muitas vezes rejeitada ou tratada como segundo plano dentro destes grupos, os ambientes academicos hostis com a quebra dos padrões patriarcais e estas artistas feministas se deparam com preconceito e até mesmo negligência dos críticos e mídia quando, poucas, conseguem expor em museus e galerias.



Eva Enredade - Carla Ripey

Frustradas com a política e com o sexismo dos grupos nos anos que se seguiam, estas feministas passaram a encontrar modos alternativos de se organizar e realizar suas atividades. Exemplo disso foi o Grupo Polvo de Gallina Negra.

Pó de galinha preta é um pó de cor preta muito barato que se vende em qualquer mercado tradicional do México para evitar o mau-olhado. O grupo se utilizou do prórpio nome para fazer uma série de manisfestações feministas como ‘Polvo de Gallina Negra – Para nos proteger das magias patriarcais de fazer desaparecer mulheres’ ou ‘Polvo de Gallina Negra - Receita para botar mau-olhado em estuprador’

  

Fundado por Mónica Mayer e Maris Bustamante em 1983, o grupo reuniu mais algumas artistas feministas e tinham claramente os seguintes objetivos:
• Mudar a imagem da mulher nos meios massivos de comunicação
• Fazer valer suas opiniões nos meios artísticos
• Mudar as estruturas dominantes para facilitar a inserção das mulheres 

Para difundir seus trabalhos e atingir seus objetos, estas mulheres viajaram, deram conferências, muitas vezes em situações extremas de falta de recursos, de estrutura, ocasiões onde toda a platéia esvaziava quando tomavam a palavra, momentos em que eram questionadas pelo seu modo de vestir. Em performances em que muitas vezes apareciam desnudas, sofriam assédio dos artistas homens e chacota de antigos coletas esquerdistas.

Ainda assim, o Grupo trabalhou formamlmente por 10 anos, realizou 28 grandes projetos, realizou cerca de 80 eventos, participou de programas de TV, rádios, jornais, lançaram textos e revistas e segundo Maris Bustamente, nenhum crítico de arte falou disso, durante todo esse tempo, em seus jornais ou colunas.





Para ler sobre o Polvo de Gallina Negra (e que serviu de fonte para este post) depoimento da própria Maris no Blog Arte e Historia México aqui. 

E mais sobre a história das artistas feministas do México aqui.

Mónica e Maris e os 10 anos: 




25 de janeiro de 2011

Preso suspeito de estupro em série, entre Paraná e Santa Catarina

E ainda sobre violência sexual, no jonal A Notícia de hoje:


Homem teria violentado quatro mulheres e tentato violentar mais três

Está preso em Porto União, no Planalto Norte catarinense, um homem suspeito de estuprar quatro mulheres e tentar violar outras três em Santa Catarina e no Paraná. Os crimes em série ocorreram na região de divisa entre os dois estados desde 2008.

Ele está com prisão preventiva decretada e foi detido sábado, em Porto União, após investigação de policiais civis de SC e militares do Paraná. Os policiais descobriram a identidade dele pelas características físicas e a descrição da moto que usava – uma das vítimas guardou as iniciais da placa. Os policiais também mostraram fotos do homem às vítimas, que o reconheceram.

Em SC, ele é suspeito de um estupro e uma tentativa em 2008. No Paraná, teria cometido três estupros e duas tentativas. O criminoso agia sempre da mesma forma: passava pelas mulheres com uma moto preta, escondia o veículo no mato e voltava a pé.

Os relatos das vítimas são de que fazia a abordagem armado com uma faca e ameaçava furar o pescoço delas. Depois de violentá-las, o criminoso mostrava estar com pena das vítimas, falando para não ficarem tristes e chegou a oferecer dinheiro a algumas.

 
#FimdaViolênciaContraMulher

Condenado por estupro é preso em casa em Criciúma

Ana Paula Cardoso 

Um homem de 56 anos foi preso na tarde desta segunda-feira em Criciúma, no Sul de Santa Catarina. Ele foi condenado pela 1ª Vara Criminal do município a pena de pouco mais de sete anos de reclusão pela prática do crime de estupro.

Em setembro de 2002, ele teria mantido relações sexuais a força, por três vezes, com uma adolescente de 12 anos que na época trabalhava como doméstica em sua casa. O mandado de prisão foi expedido no mês de dezembro de 2010. O homem foi preso em sua casa, no bairro Santo André, e levado ao Presídio Santa Augusta.

#FimdaViolênciaContraMulher

24 de janeiro de 2011

REUNIÃO

A próxima reunião do coletivo já tem data: dia 13 de fevereiro (domingo) as 19h, no Museu Nacional da Imigração e Colonização, endereço aqui.

Para manter o foco, estudaremos material [que será disponibilizado em breve aqui no blog] sobre a essência do feminismo e recapitularemos a Terceira Onda, para uma compreensão mais abrangente do que é ser feminista de fato hoje.

Tiraremos ainda algumas sugestões de ações para o dia 8 de Março - Dia Internacional da Mulher.

Venha participar!

Da violência simbólica - em arte feminista




“a oportunidade priva a teoria
Ser penteando as mães as putas
As mães que engolem as putas
As putas que vomitam as mães
As mães que rasgam as putas
As putas que se salvam das mães
A principalmente o homem-todo-alicerce
Que as nomeou rotulando na
Mera ejaculação de armários onde
Pudesse depor os pés
Garras construídas sobre o pó
O em carne ser mirrado sustendo dinamismos”


Ana B Pereira, 33 anos, poeta portuguesa.
Uma analise de sua obra pode ser vista aqui.





Na fotografia a escultora Louise Bourgeois (1911-2010), por Annie Leibovitz, responsável por uma vasta obra em um universo imensúrável que vai desde os traumas de sua infância até os abismos de sexualidade. Louise recria objetos do cotidiano com formas sinistras, angústias profundas e sexualidade agressiva através de falos, seios e vulvas.


 


"Tenho o privilégio de ser capaz de entrar em encantamento, de entrar nessa terra muito árida onde você provavelmente encontrará seu direito à vida" (BOURGEOIS, Louise)

PLC 122 pode ser desarquivado

Fonte: Paulo Sérgio Vasco / Agência Senado

A senadora eleita Marta Suplicy (PT-SP) pretende pedir o desarquivamento do projeto de lei que criminaliza a homofobia (PLC 122/06). A informação foi confirmada pela própria parlamentar no Twitter.

O Regimento Interno do Senado estabelece que todas as propostas em tramitação há mais de duas legislaturas serão imediatamente arquivadas. Dessa forma, terão o arquivo como destino todas as matérias apresentadas em 2006, último ano completo dos trabalhos da 52ª legislatura, e dos anos anteriores.

Para o arquivamento das matérias não é considerada a relevância do tema, mas a antiguidade da proposição. As matérias arquivadas, entretanto, ainda poderão tramitar por mais uma legislatura, caso requerimento apoiado por um terço dos senadores (27) seja apresentado até 60 dias após o inicio do ano legislativo.

O pedido deverá ser aprovado em Plenário. O desarquivamento só pode ocorrer uma vez. Caso contrário, o projeto será arquivado definitivamente. A 54ª Legislatura terá início no próximo dia 1º, com a posse dos senadores eleitos em outubro de 2010.

Polêmica
Ao longo de sua tramitação, o PLC 122/06 provocou acirrados debates entre os defensores da proposta, como a senadora Fátima Cleide (PT-RO), que não se reelegeu em 2010, e aqueles parlamentares contrários à matéria, a exemplo do senador Magno Malta (PR-ES), para quem a aprovação do projeto criará “o império da homossexualidade” no Brasil.

Em entrevista à Rádio Senado nesta quarta-feira (19), Fátima Cleide disse que está confiante na nova composição do Senado e que espera que o projeto seja desarquivado e levado adiante nos próximos anos. A senadora ressaltou que diariamente ocorrem atos de violência contra homossexuais no Brasil, os quais sequer são registrados nas delegacias de polícia. Isso ocorre, segundo ela, em decorrência da falta de uma legislação que coíba e puna esse tipo de atitude.


22 de janeiro de 2011

Paraíba: quase 11 estupros por mês

Do site Paraíba.com.br
Via @vaipensandoai - IPAS no twitter

Dados do Centro da Mulher 8 de Março apontam que 294 mulheres paraibanas foram vítimas de agressões físicas durante o ano passado na Paraíba. Os tipos de violência vão desde homicídios, estupros, agressões, além de tentativas de homicídio e de violência sexual. O centro ainda não fechou o balanço parcial dos primeiros 15 dias deste ano.



De acordo com os dados, os casos mais alarmantes são de estupros com 130 ocorrências, sendo 48 em mulheres, 33 em adolescentes e 49 em crianças. São quase 11 estupros por mês. Em segundo lugar vem os casos de agressões físicas com 70 casos e os homicídios com 53 ocorrências. Ainda segundo as estatísticas, os casos de tentativas de estupro somam 16 e as tentativas de assassinato foram 25 ocorrências.


 

Brasil exporta escravos para mercado de sexo

Júnea Assis

Para a ONU, o tráfico de pessoas é uma forma moderna de escravidão, e, pelas estimativas da própria organização, mais de 2 milhões de pessoas são vítimas do tráfico humano a cada ano. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, dentro desta estatística quase 1 milhão de pessoas são traficadas no mundo, anualmente, com a finalidade de exploração sexual, sendo que 98% são mulheres, comércio que movimenta 32 bilhões de dólares por ano. Atualmente, uma das atividades criminosas mais lucrativas, uma verdadeira mina de ouro já que o investimento é quase zero, no caso dos trabalhos de uma vítima de exploração sexual, o serviço será vendido várias vezes por dia. O maior destino destes jovens é a Europa Mediterrânea, encabeçado por Espanha, seguido por Portugal e Itália, grandes receptores desta mercadoria brasileira.

Quase todas as vítimas têm um perfil similar: jovens ilusionados em mudar de vida, com precária situação econômica, pouca ou nenhuma formação escolar, desempregados, vivenciando a falta de oportunidades e com idade entre 18 e 30 anos. Muitos vivem em zonas rurais muito pobres. A operação começa pelo aliciamento das vítimas, falsas ofertas de trabalho no exterior, promessas de um futuro promissor. Alguns são atraídos para trabalhar como modelos, dançarinos, em hotelaria, ou mesmo no labor doméstico em casas de famílias.

Muitos sabem que vão trabalhar na prostituição, mas não imaginam em que condições, idealizam uma liberdade e uma cumplicidade entre companheiros, que não existe.

Em muitos casos, a captação é realizada por conhecidos, às vezes por gente da própria família, outras por pessoas que exerceram a prostituição e agora recebem comissões da organização. Como se trata de outro país, a quadrilha geralmente organiza toda papelada necessária como passaporte e papéis essenciais para entrar no território escolhido. Também se responsabilizam pela compra do bilhete de viagem, momento em que automaticamente a vítima dá início à sua dívida.

Os aliciados recebem instruções de como se vestir e atuar perante as autoridades do setor de imigração. Alguns grupos fazem escala em outros países do território Schengen, como França, para evitar, por exemplo, voos direto à Espanha. Os controles de imigração de Paris relaxam se o destino final não é o próprio país. Algumas pessoas viajam na companhia de integrantes do grupo que os ajudam nos controles alfandegários, em outras situações são recebidos no destino final, automaticamente retirando-lhes toda documentação e dinheiro que previamente receberam para ensinar ao controle de imigração do país.

Neste momento, passam a entender que o paraíso não existe, e, no caminho para o inferno, local onde vão permanecer e prostituir-se, começa a demonstração de poder: ameaça física e moral, fundamentados na vulnerabilidade dos novos prisioneiros. Em cárcere privado são submetidos à vexação como usar roupas íntimas e sensuais. Se há resistência por parte da pessoa, seguramente sofrerá coação, ou até ameaças à própria família que está no Brasil, mas que supostamente observada por algum integrante do bando. São severos os meios de controles, como trancafiamentos em pequenos quartos ou vigilância por circuitos de videocâmaras, até brutais agressões. Em saunas, bares, apartamentos, ou vias públicas, as vítimas deste tráfico são exploradas em diferentes pontos, na maior parte não sabem nem onde estão.

Rede de mulheres
Na Espanha, a prostituição está perfeitamente integrada dentro de um ambiente urbano. Periodicamente, são feitas mudança de endereço, para que ninguém se acostume com a zona, ou possa estreitar relações com os clientes mais habituais. Cada passo é bem planejado para não deixar vestígio e para tirar melhor proveito da situação. Às vezes, fazem o traslado da jovem coincidindo com o período menstrual para otimizar seu rendimento. Importante membro das redes são as “Mamis” ou controladoras, que vigiam as vítimas, neste caso, predominantemente mulheres. Ficam ao seu lado quase todo tempo e encarregam-se de que não escapem e para tranquilizá-las e fazê-las pensar que a circunstância não é a pior.

Para ler a reportagem completa e outras matérias confira a edição de dezembro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou clique aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.