6 de janeiro de 2011

O que sobrou do feminismo?

Lígia de Almeida
Observatório da Imprensa

"Você é lindo. Nunca conheci ninguém que fizesse isso tão bem".

Com essas afirmações – segundo a revista Atrevida de novembro, dirigida às adolescentes – as meninas vão conquistar seu objetivo, isto é, um namorado.

"Seus ficantes não se decidem? Precisa turbinar suas táticas de conquista? Leia nosso roteiro engata-namoro".

Com a tática certa, segundo a revista Nova de novembro, as mulheres vão resolver seus problemas. A revista é dirigida às mulheres entre os 20 e 35 anos.

Sucessos de banca – Atrevida (editora Símbolo) está fazendo 10 anos e Nova (Editora Abril) passou dos 30 – as duas publicações têm um ponto em comum: assumir que o único objetivo da mulher é conquistar um homem. Homens ou gatos, que merecem destaque apenas pelo físico ou sex-appeal.

Mas não é só. Elas também têm em comum a simplificação. Examinando as matérias, a gente descobre que a felicidade feminina é bem mais fácil do que se pensa. Basta se manter em forma, bonita, na moda e dizer a palavra certa para conquistar um homem e mantê-lo sob seu domínio. Tudo o que, segundo as revistas, é necessário para uma mulher se sentir feliz e plenamente realizada.

Foi-se o tempo em que as revistas femininas abriam espaço para mulheres como Carmem da Silva e Marina Colasanti (Cláudia e Nova) discutirem os direitos da mulher, oportunidades de trabalho, relacionamentos afetivos com base na parceria e não na submissão, liberdade sexual, aborto... Enfim, toda a extensa pauta do movimento feminista dos anos 60.

Lendo essas duas revistas, a gente fica se perguntando se foi para isso que as mulheres lutaram pelo direito ao voto, queimaram sutiãs em praça pública e denunciaram a desigualdade no mercado de trabalho.

Tudo igual

As mães dessas meninas, que leram Carmem e Marina, que foram à luta por um lugar no mercado de trabalho e que tinham nas revistas femininas um lugar para discutir suas angústias, devem festejar o fato de suas filhas gostarem de ler. Mas o que vão dizer se descobrirem que suas filhas estão aprendendo justamente os comportamentos que elas detestavam? Que as meninas, além da arte do consumo e imitação, são treinadas na arte da conquista barata?

As editoras dessas revistas talvez não estejam totalmente de acordo com o que publicam, mas vão se defender dizendo que o produto vende, e se vende está certo. As leitoras dirão que adoram, como a menina que escreveu uma carta à Atrevida, reclamando que suas mensagens nunca tinham sido publicadas. E ficam todos felizes, reforçando comportamentos pré-feministas, quando as mulheres valiam pelo homem que conquistavam.

Não que esteja tudo igual. Nos tempos da submissão feminina, o grande valor de troca da mulher era a virgindade.

Liberadas, as mulheres de hoje usam o corpo como seu grande trunfo.

No mais, continua tudo igual. A acreditar em Atrevida e Nova, quanto mais burrinha e submissa melhor. Se souber dizer a coisa certa, para as mais jovens, e fazer a coisa certa, para as mais velhas, o primeiro prêmio fatalmente virá: a conquista do homem-objeto.

Linguagem infantilizada

Nem o surgimento da internet, com o acesso à informação ampla, geral e irrestrita, parece ter representado uma mudança. As leitoras da nova geração usam a rede para se comunicar, fazer fofoca, mostrar suas fotos em blogs e, é claro, conquistar namorado. Pelo menos é o que nos fazem acreditar as revistas femininas.

Não seria divertido se as revistas femininas, especialmente as que se dedicam às jovens, abrissem espaço para a discussão de coisas um pouquinho mais sérias como carreira, política, economia, segurança? Essas meninas merecem saber que o futuro vai além do Príncipe Encantado.

Com milhares de mulheres disputando vagas no mercado de trabalho e na universidade, é difícil acreditar que o grande interesse delas na vida seja unicamente a conquista de um namorado. Conquista tratada numa linguagem infantilizada, na qual expressões de contos de fadas ainda têm lugar.

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